Por Maria da Consolação Vegi da Conceição I Marcio Monteiro da Cunha I Elmira Aparecida D’Amato Garcia
Em artigo no livro A Era Digital e o Trabalho Bancário, lançado pelo Sindicato dos Bancários do ABC, no final de 2020, publicamos o texto “O teletrabalho nos bancos”, com reflexões e subsídios sobre o tema. Aqui fizemos uma síntese daquele artigo. O livro está disponível neste link. O artigo também é material a ser publicado na 18ª Carta de Conjuntura da Universidade Municipal de São Caetano do Sul (Conjuscs).
A categoria bancária poderá protagonizar a adoção do teletrabalho de forma massiva, principalmente após a experiência trazida com o isolamento social imposto pela pandemia, bem como a intensificação da política de constituição ou ampliação dos bancos digitais pelo sistema financeiro.
Pesquisa da Confederação dos Trabalhadores no Ramo Financeiro, em conjunto com o Dieese, levantou os principais problemas e sugestões da categoria bancária em relação ao regime do teletrabalho. Foram colhidos questionários de 11 mil bancários.
A pesquisa aponta que as mudanças afetaram muito mais as mulheres, em razão da dificuldade de conciliar as tarefas domésticas com o trabalho, principalmente quando se tem filhos em idade escolar. É provável que após a pandemia, quando os filhos retornarem às aulas presenciais, o problema amenize, mas as tarefas domésticas ainda serão exigidas das mulheres.
Teletrabalho na pandemia
Em razão da urgência em se adotar o teletrabalho na pandemia foi identificado na pesquisa que a estrutura ergonômica que o empregado possuía em sua residência não estava adequada. Grande parte desses trabalhadores não recebeu nenhuma ajuda dos bancos para melhorar isso. Permanecendo essa precariedade após a pandemia, a categoria poderá ter adoecimento por lesões osteomusculares. O fornecimento de equipamentos como mesas, cadeiras e iluminação, bem como a sua manutenção é a medida mais adequada para amenizar esses riscos.
Os bancários também se queixaram sobre a falta de um canal de comunicação para resolver os problemas relacionados ao teletrabalho. Trata-se de um problema de gestão que pode aumentar o stress e a jornada desses trabalhadores, além de dificultar o batimento das metas.
Cerca de 35% dos bancários alegaram que estão trabalhando além do horário normal, sem o pagamento das horas extras ou lançamento em banco de horas. O trabalho em casa não amenizou os problemas de saúde destes trabalhadores, que relataram ansiedade, cansaço, fadiga, dores musculares e nas articulações. A pandemia contribuiu para intensificar esses sintomas. A conciliação do trabalho profissional e do doméstico causou sobrecarga no organismo desses trabalhadores, principalmente por estar com toda a família em casa, dividindo o mesmo ambiente.
Apenas a orientação expressa e ostensiva para a prevenção de doenças, prevista na legislação do teletrabalho, não é suficiente para eliminar os riscos de doença. Os bancários sugeriram a criação de canal de atendimento médico do trabalho e a melhora dos equipamentos.
Corte do vale transporte
Os bancários também tiveram prejuízos pelo corte do vale transporte e auxílio combustível. Os gastos com energia elétrica e supermercado também aumentaram. As propostas sugerem que os bancos reembolsem suas despesas e concedam um auxílio alimentação adicional.
Os bancários em teletrabalho têm medo de serem “esquecidos” pelo banco e percam oportunidades de promoção e até mesmo sejam escolhidos para dispensas. Boa parte deles sinalizou para a adesão a um regime misto, combinando teletrabalho e trabalho presencial, com frequência semanal.
Apesar dos contratempos acima relatados, apenas 27% dos entrevistados preferem retornar ao trabalho exclusivamente presencial quando terminar a pandemia. A maioria prefere o teletrabalho, com 42% manifestando interesse em continuar nesse regime, desde que seja alternado entre trabalho presencia e à distância; 28% aceitariam continuar em regime integral de teletrabalho, principalmente os trabalhadores de bancos públicos. No caso destes últimos, o motivo pode estar relacionado ao menor risco de perderem seus empregos.
O regime de teletrabalho deverá ser preferencialmente estabelecido em contratação coletiva. Assim, ao modo de propostas preliminares, entendemos que a negociação coletiva deve ser balizada pelas seguintes diretrizes:
Condições de saúde e segurança
- Os empregados em regime de teletrabalho deverão ter os mesmos direitos dos empregados em regime presencial, respeitadas as suas características particulares. Essa igualdade deverá ocorrer principalmente quanto à remuneração, benefícios, promoções e condições de saúde e segurança.
- A alteração do regime presencial para teletrabalho deverá ocorrer somente com a anuência do empregado ao modelo. A alteração do regime de teletrabalho para presencial poderá ocorrer com período de transição suficiente para o empregado reorganizar sua vida pessoal.
- O regime de teletrabalho deverá ser realizado preponderantemente fora da empresa e a presença do empregado deverá ter previsibilidade mínima, sob pena de gerar instabilidade na vida pessoal do empregado.
- A legislação atual do teletrabalho possui lacunas. A contratação coletiva deste regime é a forma mais eficaz de sanar a incompletude do ordenamento jurídico, gerando segurança jurídica. A contratação coletiva, portanto, deve preceder a adoção individual do teletrabalho.
Jornada de trabalho
- Sempre que possível deverá ser adotado o controle de jornada, em observância aos limites constitucionais para a jornada de trabalho. Esse controle não poderá violar o direito de privacidade do empregado, como a instalação de câmeras para monitoramento. Além disso, a depender da atividade desempenhada no regime de teletrabalho, o controle de jornada poderá ser feito de forma indireta, pela quantificação em horas do tempo que se exige para realizar uma determinada tarefa. Controla-se, desta forma, a produtividade, e não a jornada diária de trabalho.
- O empregado em teletrabalho tem direito à desconexão, e esse direito se traduz em não receber demandas do trabalho fora da jornada normal de trabalho. Assim, deve-se definir previamente como serão utilizados os recursos de mensagens eletrônicas no regime de teletrabalho.
- O fornecimento e manutenção de equipamentos e infraestrutura para o trabalho é responsabilidade exclusiva do empregador. Os equipamentos deverão ter a ergonomia adequada para evitar o adoecimento do empregado, que deverá ser orientado sobre as normas de saúde e segurança no seu uso.
- O valor do reembolso de gastos com infraestrutura deverá ser adequado. Nem a menos nem a mais que o necessário, sob pena de valores excessivos ocultarem a natureza salarial da verba.
- O empregado deve ter direito de receber o vale-refeição, pois o regime de teletrabalho não elimina a necessidade de refeições diárias, podendo ser previsto em acordo coletivo a transformação do seu valor em alimentação.
Sindicato no teletrabalho
- Quando o empregado do regime de teletrabalho tiver necessidade de comparecer no banco, deverá ser reembolsado pelos gastos com o transporte.
- O teletrabalho deverá constar das estatísticas oficiais de emprego.
- O movimento sindical terá acesso aos empregados para realizar campanhas de sindicalização, entrega de materiais sobre a categoria e convocação para reuniões e assembleias, sob pena de se gerar um distanciamento que dificultará a organização destes trabalhadores no futuro.
- A realização de reuniões virtuais ou ligações por vídeo chamadas deverão ser marcadas com antecedência, preservando o direito do empregado em desligar o vídeo em situações que possam violar a sua privacidade.
- O empregado em teletrabalho deve ter orientações acessíveis e claras para realizar o seu trabalho. Além da capacitação dos gestores para lidar com essa modalidade de trabalho, deve-se criar um canal de atendimento, seja para sanar problemas relacionados à realização do trabalho, como para questões de saúde e segurança do trabalho ou, até mesmo, para ajudar na organização do tempo.
_______________________________________________________________________
Maria da Consolação Vegi da Conceição é advogada e coordenadora da Secretaria Jurídica do Sindicato dos Bancários do ABC. Marcio Monteiro da Cunha e Elmira Aparecida D’Amato Garcia são advogados da entidade. Artigo publicado no portal da Rede Brasil Atual