Começou ontem (quinta-feira, 30) e continua hoje (sexta-feira, 31/3), o 3º Seminário Jurídico Nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf-CUT), na sede do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (SEEB-SP). O encontro também está sendo transmitido por plataforma digital para o Comando Nacional dos Bancários, sindicatos e federações. Rondônia é representado no evento por Wanderson Modesto de Brito, titular da Secretaria Jurídica do Sindicato dos Bancários e Trabalhadores do Ramo Financeiro de Rondônia (SEEB-RO).
Neste primeiro dia do evento, as propostas das centrais sindicais para a contrarreforma trabalhista brasileira foram apresentadas pelo assessor jurídico da CUT, José Eymard, e o sociólogo, assessor das centrais sindicais e ex-diretor técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. A organização sindical do ramo financeiro foi o segundo tema, apresentado pela secretária de Organização do Ramo Financeiro e Política Sindical da Contraf-CUT, Magaly Fagundes.
REFORMA TRABALHISTA
José Eymard traçou um panorama da discussão do sistema sindical, desde antes da Constituição de 1988. O advogado destacou as lutas enfrentadas pelos trabalhadores, como liberdade e autonomia sindical (anos 1980), contrato coletivo e liberdade de organização (anos 1990), a proposta do Sistema Democrático de Relações do Trabalho (fim dos 1990), tentativas de rediscussão da tabela de categorias e novas categorias (nos anos 2010) e a lei de reconhecimento das centrais sindicais.
“A partir de 2016, entretanto, entramos num processo acelerado de mudanças, com destaque para a Reforma Trabalhistas de 2017, mas que também inclui ações contundentes do Judiciário, que se antecipou à Reforma na votação da contribuição sindical, ultratividade e terceirizações, por exemplo”, disse. “O que está em jogo no momento é a fragmentação e pulverização sindical, com entidades mais específicas e com menor território de atuação, como critérios de desconexão e desmembramento”, concluiu.
Conforme Eymard, o projeto atual da centrais busca valorizar o sistema tripartite e criar mecanismos de autorregulação, criar instrumentos legais que estimulem a agregação no sistema sindical, estabelecer critérios de representatividade sindical, criar mecanismos que obriguem a negociação coletiva em qualquer âmbito, valorizar as entidades de maior agregação de base, organizar o sistema de custeio, promover a regulação da negociação coletiva no serviço público e encontrar solução para o custeio de servidores, trabalhadores rurais e outras situações não vinculadas à negociação coletiva tradicional.
Para Ganz Lúcio, tal proposta das centrais deve ter como alvo recolocar o movimento sindical no jogo político. “Estamos numa situação de uma oportunidade extraordinária, pois se houvesse um segundo mandato de Bolsonaro, teríamos uma situação de destruição total”, disse. Para ele, os desafios são grandes. “Temos que construir um novo cenário para mobilização social, onde o movimento sindical é um ator importante. Por isso, é necessário se pensar o mundo do trabalho para a frente e se preparar para a disputa”, completou.
Ganz Lúcio deixou claro que o cenário é adverso. “Estamos num contexto em que um forte embate mundial tenta tirar o sindicato do cenário político, tornando-o mera entidade associativa, então temos que pensar o que é possível fazer para recolocar o sistema sindical no jogo político e fortalecer sua capacidade de atuar. O movimento deve buscar retirar o sistema sindical dessa asfixia, para se recolocar efetivamente nas negociações”.
No atual momento, ele lembrou que “as centrais estão com a tarefa de construir uma proposta única para apresentar ao governo Lula. Essa proposta precisa ser aceita e chancelada pelas várias esferas de representação social e política”. Para tanto, o sociólogo observou que “precisamos conseguir no curto prazo os 308 votos no Congresso, e para isso o apoio empresarial deve ocorrer, até porque falamos do mundo do trabalho”.
RAMO FINANCEIRO
Em sua apresentação, a secretária Magaly Fagundes, anunciou que a questão da organização do ramo financeiro será debatida em um seminário nos dias 13 e 14 de abril. Ela indicou os principais pontos que são levados em conta para o trabalho. “Temos que enfrentar os desafios da redução absoluta do número de trabalhadores, o estreitamento da pirâmide ocupacional, a ‘gerencialização’ da categoria, o surgimento de novos bancos digitais e o teletrabalho”, disse.
“Já temos projetos e propostas, que serão finalizadas no seminário. O cenário hoje é uma redução constante dos postos de trabalho no núcleo central do ramo, que é a categoria bancária, com as terceirizações, criação dos bancos digitais e correspondentes bancários e a chamada pejotização”, concluiu.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL
A inteligência artificial (IA) na prática jurídica e os limites éticos de sua aplicação foi o tema da segunda mesa de debates, nesta sexta-feira (31/3), pela manhã.
Para o secretário de Assuntos Jurídicos da Contraf-CUT, Lourival Rodrigues da Silva, “as questões relativas à IA e à automação são determinantes para o ramo financeiro, pois a tecnologia digital e suas ferramentas interferem diretamente tanto na rotina de nossas atividades, como no perfil profissional de todo o setor. Por isso, os pontos aqui apresentados são de muito interesse para todos nós”.
A IA é um novo elemento que provavelmente trará grandes mudanças em diversos outros aspectos da sociedade contemporânea. Uma delas é na atuação e na carreira dos profissionais do Direito.
Para o palestrante Paulo Rená da Silva Santarém, doutorando em Direito, Estado e Constituição na Universidade de Brasília, servidor público federal que atuou como gestor do processo de elaboração do Marco Civil da Internet no âmbito do Ministério da Justiça, é preciso saber usar as novas ferramentas para lutar as velhas lutas que estão, simplesmente, com roupas novas.
“Quando se fala em IA, muita gente vai pensar num robô ou imagens da cultura pop. Mas, esquece que ela é uma decisão automatizada. O problema está pronto. Não interessa se é uma máquina, ou se são 25, é alguém que está tomando decisão de forma automática”, disse.
De acordo com Rená, o problema está exatamente em a IA basear-se no passado. “Se o nosso passado é machista, racista, classista, entre outros preconceitos, usar decisões automatizadas é projetar esse passado no futuro. A única forma é programá-la para, deliberadamente, ser diferente do passado. Quero um resultado feminista, antirracista, que se preocupe com a questão de classe, com a questão regional”, completou.
Para o mundo do trabalho, “se a gente relega para a IA decidir quem vai ser contratado, o que ela consegue fazer será, a partir dos dados do passado, projetar qual é o melhor input para output do futuro. Só que olhando para o passado, a IA não vai encontrar nenhuma pessoa preta mulher”, advertiu o palestrante. Para ele, “a saída está na governança algorítmica – instância de controle, fiscalização escrutínio, por meio de análises das informações”.
Nilo da Cunha Jamardo Beiro, sócio-fundador de LBS Advogados, também participou do evento, com uma análise provocativa. “Como eu luto contra a IA, contra meu próprio celular? Como se faz essa luta, na rede? A nova tecnologia aplicada ao direito, automatizar decisões judiciais, do robô julgar, lendo decisões anteriores. E escolhendo melhor decisão do passado não vai reaver a possibilidade de o Direito evoluir, das decisões serem melhores, de fato, mais avançadas. Eu posso dizer, decida como o Gilmar Mendes decidiria? Vai ser aquilo mesmo. Vamos entrar em um looping, do qual não vamos sair mais, olhando para o retrovisor”.
O 3º Seminário Jurídico Nacional continua na parte da tarde com palestras sobre o futuro das negociações coletivas, as perspectivas do atual governo Lula e a experiência espanhola de reversão de pontos da reforma trabalhista feita no país.
Contraf-CUT